Matéria publicada no “Jornal Vale do
Aço” de 28/05/2006
A partir de hoje, vamos abordar com
um pouco mais de propriedade e profundidade a reforma universitária brasileira
proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este projeto, assim como
tantos outros de grande relevância para o povo brasileiro, vem se arrastando no
Congresso Nacional, já tendo passado por duas versões, porém, a versão final
que a todos interessa, ainda não saiu do papel. O anteprojeto foi apresentado
pelo MEC em 06/12/04 e sua segunda versão foi apresentada pelo ex-ministro
Tarso Genro em 30/05/05, após apreciação de mais de 120 emendas sugeridas pelos
vários seguimentos da sociedade.
O assunto é de fundamental
importância como um todo e, por isso, estaremos analisando em artigos nos fins
de semana os tópicos mais relevantes que realmente tem sido objeto de
discussões por parte dos especialistas. Vou reportar aqui aos meus escassos
conhecimentos de administração de empresa e perguntar: Qual é o Padrão de
Referência? Como é feito? Prá que Mudar? Como será feito? Quais os benefícios
esperados? Quais os resultados esperados?
Para responder a tais perguntas,
torna-se necessário voltar um pouco na história. Na época do Brasil colonial,
mais precisamente no século XVI, os portugueses ofereceram bolsa de estudo em
Coimbra somente aos brasileiros filhos de funcionários públicos, senhores do
engenho, criadores de gado, artesãos e mineradores, o que naquela época já
caracterizava uma discriminação às demais classes sociais. Tal situação, por
incrível que pareça, continua nos dias atuais considerando que, somente os
estudantes de maior poder aquisitivo, que tem condições de estudar o segundo
grau nas melhores escolas particulares, conseguem adentrar na universidade
pública.
Na verdade, passados cinco séculos de
história, pouco avançamos para mudar a visão retrógrada da educação superior.
Ao longo de tanto tempo, não encontramos na prática políticas que justifiquem
espelhar mutações tais que trouxessem benefícios aos estudantes brasileiros. Ao
contrário, continuamos batendo na mesma tecla, caminhando de cabeça baixa, sem
a coragem necessária para fazer as reformas urgentes que precisamos. O momento
de hoje me lembra muito aquela época, com acesso às universidades públicas
apenas aos estudantes com maior poder aquisitivo. Com raras exceções, quem
consegue adentrar numa universidade publica? Alunos advindos de escolas particulares,
que pagaram caro para fazer o segundo grau numa escola elitizada, pagaram mais
caro ainda para cursar um pré-vestibular da capital e, por isso, detém
conhecimentos suficientes para obter resultados no vestibular.
Apesar da vocação extrema pelo continuísmo,
os cientistas e intelectuais responsáveis pela educação superior no Brasil
apresentaram sim, algumas sugestões de mudança, com as quais esperava-se
obter melhores resultados. Embora muitas dessas sugestões e mudanças tenham em
seu bojo excelentes idéias, não se conseguiu na prática introduzi-las nos
currículos das faculdades. Nossos legisladores são mestres para fazer leis,
porém a aplicação delas é um exercício incoerente, uma vez que conseguimos
torná-las realidade.Por isso, várias reformas foram feitas ao longo de tantos
anos, mas os benefícios não alcançaram o foco, o estudante universitário.
Continuamos assim, privilegiando a quem não precisa, em detrimento do mais
pobre, de menor poder aquisitivo.
No Brasil há uma preocupação
generalizada dos legisladores em elaborar leis demasiadamente abrangentes,
quase perfeitas. A começar pela Constituição Brasileira, contestada a quatro
ventos pela sociedade, não pelo seu teor técnico, mas pela sua aplicabilidade,
longe dos anseios dos seguimentos da área civil, poderes públicos, e,
principalmente do judiciário, com interpretações errôneas, num vai-e-vem
incompreensível de nossos juristas.
A partir de 1937 foram promovidas
várias reformas no ensino superior, a começar pelo nome do próprio Ministério,
que depois de se chamar Ministério da Educação e Saúde, tornou-se em 1953 o
atual Ministério de Educação e Cultura - MEC. As reformas universitárias dos
anos 60 e 70 desenvolveram uma nova ideologia para o setor, tornando os laços
universitários mais acadêmicos que simbólicos. A partir de 1995, no governo de
Fernando Henrique Cardoso, a universidade passou por um processo rigoroso no
aspecto administrativo, tornando-se mais autônoma, possibilitando maior
desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica, com grande expansão do
ensino privado, porém sem atender ainda os aspectos sociais e econômicos
previstos.
As reformas seguintes se
intensificaram, surgindo os cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado e,
logicamente, a diversificação do conhecimento gerou uma série de
questionamentos ao sistema. Vários estudos foram desenvolvidos por
pesquisadores neste período, evidenciando a necessidade das reformas. Segundo a
revista Carta Capital, a taxa bruta de matrículas no ensino
superior brasileiro, da ordem de 10 a 12%, sempre foi inferior não só em
relação aos países desenvolvidos, mas inclusive a países de renda per capta bem
inferior à nossa, comparando-se desfavoravelmente com as obtidas na Argentina,
Chile e Bolívia. A deficiência de oferta de ensino superior no Brasil, fica
ainda mais patente se comparada com a Inglaterra (48%), França (50%) e Estados
Unidos (mais de 80%). Dessa forma, estamos completando cinco séculos de
engessamento no ensino superior brasileiro, umas vez que as reformas até agora
implantadas não foram suficientes para promover o desenvolvimento
científico, cultural e social que o setor necessita
Geraldo Ferreira da Paixão
Engenheiro e professor
e-mail: geraldoferreiradapaixao@gmail.com